quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sobre mais possibilidades

O vagão deu um tranco no fim do freio e os corpos dançaram resilientes.

- Atenção, por motivos técnicos pedimos a sua paciência. Tempo estimado para a movimentação: cinco minutos.

Uma centena de corpos flutuava em lugares muito distintos dentro do carro. Suspiravam, estalavam língua, batucavam ao som mímico dos fones de ouvido e liam sell outs e livros acadêmicos, mas a maioria simplesmente olhava vagamente para a dimensão dos planos, do planejamento, da ordem do dia, do drible nos acasos, dos atrasos e das desculpas, do futebol e de outros circos, do café da manhã e do almoço, das poucas moças de beleza incrível naquele vagão. Eu me multiplicava: segurava um livro do Mutarelli com o indicador marcando página, ouvia rock instrumental e desfazia a inocência matinal mirando a moça à minha frente. Criava dezenas de maneiras de abordagem, imaginava diálogos, tentava prever respostas baseando-me simplesmente em sua expressão, vestuário, pose. Uma vez em Toronto vi um cara escrever algo num pedaço de papel e entregar pra uma moça ao sair do vagão. Sei também de um amigo lá de Campinas que faz pequenos desenhos a nanquim em tiras de papel rasgado, sempre acompanhado de um textinho que fica entre a poesia e o xaveco. Tem uma outra história ainda, que eu ouvi no trabalho, de um cara que ficou fascinado por uma moça no ônibus e resolveu segui-la, até que, na frente de casa ela o interpelou e ele lhe disse a verdade. Hoje estão casados há mais de 10 anos.

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