quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Coágulo

O tempo coagulou no escritório e apenas eu mantive consciência e liberdade em meio a esta fração de tempo indeterminado e congelado. Analistas, assistentes, gerentes em ternos, calças e saias formais, a maioria de pé, estancada na pose do afazer anterior. Tratava-se do irreal, o universo jogando com pequenas digressões. O sol da tarde luzia nas paredes de vidro, a luz entrava junto com o som mostrando que lá fora o mundo rolava. Aqui dentro eu observava o fenômeno de forma passiva. Disse antes que eu desfrutava de consciência & liberdade, mas não de todo, definitivamente. O que eu mantinha era algum resquício disso, como o rei caolho na terra dos cegos, porque na esfera do irreal existe um dever, um futuro já dirigido, um impulso movido pela mesma força sádica que impusera a trava nesse tempo-espaço. Levantei e comecei a dilacerar a garganta dos colegas de trabalho com uma pequena lâmina, um por um. Enquanto o fazia, me permeava a consciência de que eu não o fazia só, mas com um duplo em outro canto do escritório, o que talvez tenha me dado uma faísca de sentimento de justiça, um raio do sentimento de redenção. Cortava sem muita exatidão, às vezes só um arranhão na jugular, às vezes quase arrancando a cabeça fora, como se a força do irreal decidisse a direção e a profundidade do movimento, e não eu. Eu acompanhava meu corpo, a consciência no modo passivo, sem poder de escolha, mas sofrendo todas as consequências que sofre quem sai fazendo uma chacina em pleno ambiente de trabalho, sentindo urgência e medo, ciente do absurdo.

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