domingo, 22 de junho de 2008

No Topo da Anti-Escada

Descer a anti-escada é mais fácil do que se imagina. Tudo começa pela natureza dela: você tem que entender que ela é uma subida mal-interpretada, sabe? Foi esse o meu jeito. O Henrique diz que a desce, e diz que nunca pensou nela como uma subida. Coisa doida isso. Se sua cabeça vira, o mundo não continua o mesmo, simples.

Enfim, desci rumo ao topo. Ao meu lado, estruturas bem erguidas e andaimes firmes, novos, sem manchas de tinta. Não gostava nada daquilo. No topo eu ia encontrar o mar de vidro, mas não gostava de já saber disso. Desci, desci, desci. Lá em cima ia ter o mar de vidro e, num pináculo natural, um ninho com três ovos de passarinho e um de lagarto. A mãe do lagarto era a coisa mais esperta do mundo. Trocava os ovos: pegava um de passarinho e deixava lá o do seu lagartinho em formação. Disso, ia pra casa com comida - ovo fresquinho - e seu filhote já nascia num banquete. Tipo a alegoria bíblica da vida de Moisés.

Quando cheguei no topo, o espanto: nada de vidro nem pináculo. Havia uma floresta tipológica: letras apontavam para o céu de prata como árvores austeras, donas do mundo. Era uma floresta como as do norte do mundo: uma fauna não tão complexa, sem muitas espécies. Só havia as letras do alfabeto, e um ou outro caractere russo. Andei, e mais à frente descobri estar num charco. O piche, perto das serifas das letronas, era uma poça de vírgulas viscosas.

Achei que podia estar no meio de um romance clássico. Mas não: eu tava andando no meio das minhas próprias criações. Andei mais um pouquinho e, com os pés já pretos de vírgula, encontrei um gulivérico espelho emoldurado numa letra éfe. Era o caminho de volta pra fora de casa. Mas ali estava ótimo. Batia a brisa gelada das manhãs de junho, que eu tanto gosto. O mar e o pináculo deviam estar camuflados e bem escondidinhos.

Hora de voltar. Quebrei o espelho com um galho de pê, e vi a escada. Avancei e comecei a subir de volta ao sopé. Por último, olhei pra trás e havia um mar de estátuas de sal.

9 comentários:

Beatriz disse...

Victor, belíssimo. Inverteu os sentidos e criou significados novos. Não penso en "anti". é escada mesmo. A gente acha ue sobe qdo desce. As estátuas de sal, o mar de vidro no topo/fundo. Adorei issoa aqui. Muito!

Heyk disse...

Esse é legal, viu, rapaz.

Legal mesmo. Ó, assumo que fiquei até confuso com as descrições, e olhe que isso não é da minha reverendíssima palhacice. Mas fiquei.

E isso é ótimo. Isso quer dizer que precisa de mais uma leitura.

Hahá!

Lírica disse...

Bah!
Desconstruções severas...
Desmistificações edípicas...
Boa subida!

Anônimo disse...

Rapeize,
ô yê. Andar para trás no texto já seria interessante, mas não faria muito parte do seu feitio. O que valeu foi a evolução: você deu um moonwalker.
E digo mais: na visão de leitor-bródi, sentado no cê minguante, deu pra ver certinho sua descida ao topo. Essa coisa de mar de vidro e pináculo pode parecer legal, mas é pura groselha. O que você procurava mesmo era o alfabeto cirílico, que ululava como a tundra vermelha em comparação a grama verde. Um tipo desses só se encontra no chão de céu, lá no topo da base.
Foi muito bom ver você chegar lá.
Obrigado.

Rachel Souza disse...

Resposta ao comentário: Sim,sim. "Amy Winehouse." Qual o problema com a guria?rsrsrrs Cabe no contexto, dá um certo ar de ingenuidade ou qualquer outro sentimento que achar adaptável. Inté mais vê moço.

RM. disse...

totally nonsense, mas é por isso que eu amo!
dá uma olhada no meu blog, tem um texto novo...um pouco menor do que os outros, como vc disse! hahaha

beijoo

Beatriz disse...

eu corrigi. Valeu, victor. gracinha. beijo.

Beatriz disse...

deculpe o gracinha? aff!

Rachel Souza disse...

Eu gostei. Quero descer na escada que sobe!rs
Admito que tive ler duas vezes esse laiá, mas gostei.