quarta-feira, 2 de julho de 2008

Na Letra da Sabedoria

Essa é a segunda parte do conto que começa em No Topo da Anti-Escada.

Andando pela neblina da floresta tipológica, percebi que a rala nebulosa branca era formada por milhares de minúsculos ênes. Estava ali, em meio aos charcos virgulosos, às raízes de serifa e aos troncos de hastes de éfes, tês, pês, éles minúsculos, quês, e frondosos ípsilons. Havia tipos condensados e finos, grossos, negritos e uns até itálicos. Nunca deixava de me fascinar andando por aquela floresta - que tinha tudo pra ser tenebrosa, mas era inquestionavelmente maravilhosa, e fazia meu frio preferido.

Havia um ramo de jotas, raríssimo, e eu tinha que encontrá-lo. Ali, eu estava absolutamente solitário. Nada me espreitava, nada coabitava comigo a floresta senão as letras. Havia uma letra muito sábia no coração da floresta; haveria de me ajudar. Prossegui errante.

Ali estava, resplandecente, a letra da sabedoria. Ela não faz parte do alfabeto, e talvez seja impossível pronunciá-la. Se você tiver a habilidade de torcer a língua e dar um nó nela mesma, talvez a soe como tem que soar. Mas, particularmente, não sei torcer tanto assim, a língua, então eu apenas imaginava seu som. Sua mera visão e resplandecência fora suficiente para iluminar-me a razão. Simplesmente o fato de observá-la me afastava da possibilidade de encontrar o espelho éfe. O espelho éfe era o fim da floresta – era, em si, a hora de voltar. Sentei entre as serifas da letra da sabedoria e permaneci, meditabundo.

Os olhos de todos os sentidos arregalaram-se e sentiram o mundo. Já sabia exatamente onde estava o ramo de jotas. Abri novamente os olhos da razão e segui por uma alameda comprida de pês e quês. Ao fim do caminho, o monolítico espelho éfe, com metros e metros de altura, enorme, me encarou. O ramo de jotas estava entre meu corpo e o espelho do fim. Arranquei desde as raízes, com o cuidado de um monge, e soquei tudo no bolso.

Assim que atravessasse o espelho do fim, tomaria o chá feito com as raízes de jota.

7 comentários:

Beatriz disse...

Victor, que beleza de conto. Essa floresta de letras pra prosseguirmos errantes e montarmos palavras, tomando chá de jota. Vc escreve cada vez melhor e melhor. Daqui a pouco, chega a rapeize rsrs e fala melhor de tudo. adoro os comentários deles. aprendo muito aqui nas caixinhas. Vejamos Guto, Heyk e cia. rsrs.;))
Achei maravilhoso.

Lírica disse...

Olá pequeno "gafanhoto"... Parabéns mais uma vez. Quer ser meu guia nesta floresta?... Bom, talvez cada um deva penetrá-la sozinho. Como vc. Amei a letra impronunciável, o espelho do fim e as raízes buscadas, encontradas somente aí, perto do fim. Há que se encherem os bolsos mesmo! Teria o espelho efe, dupla face? a grafia da letra sugere e a idéia dele tb!
Pergunto-me: ...os charcos virgulosos teriam ao fundo, areia movediça?
Rezo para que não desmatem a floresta tipológica. Fico em pânico só de pensar nas letras enfileiradas formando grandes plantações uniformes de SSSSSSSSSS ou MMMMMMMMMMM, quilômetros a fora, em latifúndios monótonos, empobrecendo o solo...
Tem que ser caótica e tenebrosa mesmo! É pra ser cultuada, decifrada pela simbolização tão bem representada aqui pelo cipó do Jagube (J)! Dá-lhe Santo Daime!!!... Ok, estamos falando de simbolização...
Eco-loquacidade lúdico-erudita!
Meus cumprimentos.

AEmarcondes disse...

velho, esse ficou irado. Tá fluído, gstos de ler e empolgante. Q viagem! só queria saber o que o chá de jotas faz. hehehehehehe. fiquei curioso

Hein, rique disse...

achei uns agás pra vc, que cv deixou cair

hhhhhhhhhhhhhhh


;******

Beatriz disse...

victor, desculpe o spam. é que vc fez uma observação e a partir dela inovei ;)))

Heyk disse...

bom,

como conto, como narrativa, como história, o texto tá impecável. As coisas da letra da sabedoria, os dados sobre como as letras se organizam e a raridade dos jotas me foram muito agradáveis. Espetacularmente esse é um texto seu que tem pouco fim. Apesar de linear e de ter tido o personagem no fim o dever comprido. Mas o despecho fica predito r por isso por excitante.

De qualquer forma, a impecabilidade do texto também tem de normalidade, apesar do cenário altamente inusitado. E de normalidade esotu cheio. E digo, se for pra viver ao lado de seres fantásticos e inéditos uma manhã de ressaca como qualquer outra, é melhor viver isso com seres normais.

Por isso levanto essa questão, adianta de tanto alterar de tanto as imagens pra fins tão parecidos?
Adianta de muito construir um universo tão complexo pra viver nele uma tarefa de hércules como qualquer outra de todas as outras histórias de aventura?

Heyk disse...

Mais um dado, a idéia de espelho do fim realmente tem muito de curioso, mas assumo, ao mesmo tempo a idéia de portal é uma idéia requentada, assumo que requentados não são necessariamente ruins, e é requentada a idéia de ser um espelho o portal, não é?

Realmente, fiquei com mkedo também dos latifúndios tipológicos.

Assim como nos nossos latifúndios lá não teriam palavras.