sábado, 16 de agosto de 2008

A Compostura dos Recém-conhecidos

Vim toda arrumada, escondendo tudo de todos mesmo que sem essa intensão. O inverno me vestiu de roupas grossas e atitude comportada. Trabalho nessa sala vazia há uma semana, me esforçando para permanecer na mais alta conta de todos. Sorrio e brinco nas horas certas mas, na mesma medida, mostro como sou saudavelmente ambiciosa - como posso me transformar em peça fundamental.

Esperei o fim do expediente me demorando em atuação, sem más intensões. Natural quando se experimenta num lugar novo. As paredes ficam de olho em cada ação sua, mas não descobrem, de fato, nada do universo dos formidáveis mistérios tímidos da minha verdadeira vida. Isso eventualmente há de se desdobrar ao longo do tempo neste ambiente crepuscular em que meu eu primal, bobamente, se sente hostilizado por hora.

Finalmente, desci as escadas rumo ao portão da liberdade. Havia alguns ainda trabalhando. Antes de sair, ouvi barulhos numa sala de preparação para apresentações. Quando cheguei lá havia um cavalo. Não era nenhum alazão, mas era, de um jeito bem próprio, simpático. Retruquei qualquer comentário, em tom de conversa de elevador. Havia alguma acidez nas palavras daquele pobre animal de grandes olheiras. Uma acidez que tentava me induzir a um diálogo mais íntimo. Nada que me seduzisse, mas nem que ofendesse: apenas mantive a compostura dos recém-conhecidos.

Dali saí pensando no que vestiria na segunda. O estalo do portão me arrebatou com a consciência de que o fim de semana havia chegado. A alegria veio com uma brisa suave: a infinidade das possibilidades indumentárias das noites de sexta e sábado pairava libidinosamente no poço dos meus desejos.

8 comentários:

Rachel Souza disse...

Nêgo,
"a infinidade das possibilidades indumentárias das noites de sexta e sábado pairava libidinosamente no poço dos meus desejos."
Rs! Atmosfera feminina... Por mais que não pensemos em roupa ou em outros laiás,ao cruzarmos com um caboclo razoável esse tipo de coisa rola.É Oxum na beira do rio se olhando no espelho, é cigana passando baton, é Sri Turga e seu tridente de guerreira!! E todos os outros arquétipos que não consegui lembrar...rs
Beijo!!

Anônimo disse...

Na cultura do individualismo, da competitividade, do ef~emero renovável, do prazer, sucesso e pragmatismo, vive-se em detrimento da interioridade, atenuam-se os afetos, abolem-se os conflitos e o único mergulho concebível é na corporidade cindida do subjetivo. você captou e fotografou de um ângulo que mostra tanto o absurdo quanto o real.
Meus cumprimentos.

Rachel Souza disse...

...E tudo isso que "Larica" falou aí tb!

aron disse...

Gostoso! simplesmente gostoso... ou melhor, gostosa.
:D
bjo nego

Rafael disse...

concordo com o aron, simplesmente gostoso. e, pelo menos pra mim, bem verdade.

Tulio Malaspina disse...

Primeiro parágrafo pairando sobre uma ironica observação antropológica, mas no terceiro round adorei a saida, indiferença feita de forma genial!

Victor Meira disse...

É Rachel, a intenção nem foi traçar um perfil do feminino como um todo, mas de um indivíduo desse gênero. "Generalizar sempre é besteira". A brincadeira com a roupa é a metáfora da vez. Tem as que vestem música, as que vestem poesia, as que vestem religião, as que vestem a profissão. Tem pra toda indumentária. E aí esse tipo de generalização até que é saudavel, né?

Heyk disse...

já desse eu gostei.

O cavalo principalmente. os recéns. E o fim de semana. Tá legal. QUe bom né, quando tá legal.

Olha muito curioso, comecei o ler, junto com todos osltrinta livros que comecei, o Deus da chuva e da morte da Mautner, curioso viu.

fica em paz. Isso é uma república.