quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

De doze em doze

Ninguém morre tragicamente nesse conto.

Suspiros. A tarde no estudio pairava num silêncio que parecia o escuro. A luz vermelha tornava fatal o labor do jovem e do mestre naquela segunda-feira dura, de fim de semana atropelado pela falta de descanço. O pupilo deixou a câmara pra fazer mais algumas fotos. As caixas de som tocavam Green Day. Havia um arranjo de frutas bem iluminado, cercado por motivos campestres, entre caixotes, tufos de palha, grama e tábua.

Horas escorreram por mais de cem fotos.

O mestre finalmente saiu da câmara. As olheiras do jovem rotulavam seu cansaço: fosse um arqueiro, haveria esvaziado inúmeras aljavas de flechas - só não tinha idéia de quantos haveria alvejado. Por fim, o rapaz desabafou:

- Cara, que fome...

Havia uma intimidade. O mestre rebateu:

- Eu sei. É porque suas fotos ainda não são boas. Quando forem, você não vai sentir fome.

É sempre um sarro egóico. O mestre respeita o pupilo, mas a hierarquia deve ser afirmada de doze em doze minutos. Prosseguiu:

- Quando suas fotos forem boas, seu corpo não vai pedir comida. As fotos vão ser suficientes.

A quietude-breu voltou e se acomodou até o começo da noite. O mestre era um devaneio, de fato; uma fábula sentenciosa. Pro pupilo a lição moral passou longe - papo mole à parte, ele estava com muita fome. Quando ficaram velhos, um morreu de ataque cardíaco e o outro de morte morrida mesmo, velhinho.

4 comentários:

Beatriz disse...

Fotos, Green Day, She...o velho voraz. Misturei tudo lá...em plena compulsão;))

Lírica disse...

O que conta é o mestre internalizado, mesmo...
Boa... muito boa mensagem.

Adriana Riess Karnal disse...

contos de mestre por mestre....muito bom!

Leo Curcino disse...

morte morrida era uma expressao que eu ouvia da minha avó, que deus a tenha! :T

a proposito... me veio a mente se ele vai realmente ficar sem fome quando as fotos dele forem boas de verdade!

abraço victeiras!