quarta-feira, 27 de maio de 2009

Musa cinza mole

Imagine um cenário completamente azul. A musa aguarda a chegada do homem, que entra em cena obviamente desesperado. Surge uma poltrona à esquerda, para abrigar o repouso da deusa. Ela fuma.

- Você só faz ficar aí, sentada, como se fosse de pedra. Não faz mais nada. Não me sorri, não cozinha, não lê. Fica só fumando essa merda desse cigarro. Toda vez que eu preciso de você... Não tem uma vez que você chega, sabe, pegando em mim, me provocando. Só fica aí, jogada feito nada.

Ele anda de lá pra cá, suando, olhando pro chão com as mãos entre os cabelos.

- Isso nem é mais frigidez, você passou dos limites. É um vegetal. Só pode ter um plano diabólico por trás disso. Um plano enorme que justifique essa cara de morta. Cara de...

Cinco palavras atolam de uma só vez na boca dele e ficam presas. Ele pausa por instantes, ofegante.

- Você precisa ser a outra, é isso. Você nunca vem até mim. Eu preciso dela pra te agüentar, tá entendendo? Sem ela você é desinteressante, um fantasma, um cinza mole. Só fica aí jogada nessa poltrona - que, aliás, bem te serve, já que você não faz nada o dia inteiro. Quando... Quando eu tô afim... Cacete. Você é quem sempre precisa ser estimulada, sempre precisa ser excitada, não é? Estrelinha... Não lembro de uma só vez que você tenha chegado cochichando no meu ouvido, pra arrepiar os pelos da minha nuca. Pra me fazer querer te agarrar e te comer toda. Nunca. Apaga esse... Apaga essa merda desse cigarro! Essa merda não tem fim? De onde você tira tanto cigarro?

Ela ficou assustada e levantou. A poltrona sucumbe no azul. O homem vai até ela e apanha o cigarro, segurando-o a uma boa distância entre o polegar e o indicador. Ela empalidece, mas não se entrega. Estava tudo ali, no diabo do cigarro. Ele fez de conta que ia fumar, trazendo até pertinho da boca. Ela falha na tentativa de conter a excitação. Então ele dá o golpe final, lançando o objeto no chão e amassando-o com sola do sapato.
Não há segredos nas entrelinhas.
O cenário ficou completamente vermelho. A musa revelou uma feiúra de monstro. O homem, com ar satisfeito, sai pensativo de cena. Ela mora na cena, e você vai lembrar dela hoje, na hora de dormir.

8 comentários:

Beatriz disse...

Musa cinza mole! Sem mais comentários. Não resisto, porém;))
que medo

Renata disse...

vamos filmar?
eu quero ser a musa.

Lírica disse...

Mor cara de histeria! Vc sempre surpreendendo, hein?

aron disse...

a Re disse tudo :D
gostei negó.

Adriana Riess Karnal disse...

azul,pálida,vermelho....que cenário colorido no meio do croma...

Rachel Souza disse...

volto pra ler direito. beijo

Carina disse...

cara, eu gostei do conto, mas tenho problemas com a palavra "mole". Não gosto, daquele jeito irracional e sem sentido, da mesma maneira que eu não gosto de cenoura. Mas que mesmo assim eu como.

E é claro que vc não dá ponto sem nó. E o conto é bom, especialmete porque encomoda...

Julia disse...

(sensacional)


(medo. porém, sensacional)