segunda-feira, 28 de junho de 2010

Bolinhas Coloridas

Pisava com leveza, sem salto e humana, toda vulnerável. Tantas coisas pequenas passavam por sua cabeça que nada chegava a montar um sentido, uma cabana. Passou por uma loja de brinquedos e viu uma máquina de chicletes com centenas de bolinhas coloridas - quiçá idéias numa cabeça de vidro. Os pensamentos pesados hibernavam quietinhos. Os leves voavam muito fácil com o vento, perdiam o doce nas primeiras mascadas. Por isso andava atenta como um relâmpago, e vulnerável a qualquer sabor que prometesse um doce minimamente mais doce do que o doce de suas idéias levianas.

Nessa passada de levezas é que foi atingida pelo sabor mais intenso de sua manhã: o vestido do meio na vitrine daquela lojinha em frente ao restaurante de todo dia. Era colorido, tinha um decote elegante e uma faixa na cintura; tinha certeza de que lhe vestiria perfeitamente e lhe concederia uma leveza ainda mais delicada do que a que já lhe era natural. Valorizaria o que julgava ser o contrário de seus segredos, ou que tinha, em sim mesma, de obviamente lindo (não se achava muito bonita, mas tinha seu quinhão de certezas; sabia por onde ser fatal). Sorriu sem querer, sentiu-se rosinha, ou como se estivesse flutuando um pouquinho numa nuvem. Ficou do outro lado da rua mesmo, admirando o vestido - tinha hora, não dava pra entrar na loja.

Entre tantas bolinhas coloridas, aquele desejo provocou o pensamento mais durável que tivera em horas, tamanho era seu doce. Mas assim que dobrou a esquina sentiu o sal da saliva pelo desejinho recalcado. Não compraria o vestido - ao menos não hoje. A sensação de colorido foi rebatida por uma tristezinha, uma coisinha inha, aguda e salgada. O nada-de-mais que faz suspirar antes do almoço. Daqui a pouco esqueceria e voltaria à piscina de bolinhas quase-doces.

Antes de entrar no prédio um moço cruzou seu caminho. Notou-a com discrição e deu uma olhadinha pra trás depois de passar por ela. Sentiu-se colorido, e quando virou a esquina suspirou sua tristezinha matinal.

3 comentários:

Lírica disse...

Hahahahaha. Adorei a cabeça de vidro.
Mas, falando sério... terminar esse conto é como dobrar a esquina e sentir o sal da saliva. Por não serm de vidro as nossas cabeças perdemos o colorido das bolinhas alheias e seguimos dobrando esquinas, amargando frustrações_ fúteis ou não_ e nos conformando com o "quase doce".
Ainda bem que contos assim nos lembram também que fazemos parte do desejo e da amargura uns dos outros. Isso me consola... Até me faz esquecer o vestido da vitrine que agora desejo também.

Rafaella Rímoli disse...

'Os pensamentos pesados hibernavam quietinhos. Os leves voavam muito fácil com o vento, perdiam o doce nas primeiras mascadas'

Saboroso, saboroso.

Beijos. Rafa.

Julia disse...

textinho gostoso.