Chorava um choro sem freio pela Bela Cintra. O rosto brilhava em superfície lavada no visco da lágrima, e os pontos luziam como hexágonos no caminho, quando o primeiro passante surgiu:
- Tá bem aí, jovem?
Um bigode cinza bem intencionado. Que tipo de pergunta é essa, quando se vê um sujeito no meu estado? Insistiu:
- Porquê cê tá chorando?
Repliquei de imediato, rebeldemente sem razão:
- Porquê você não tá chorando?
Julgou mais direito me deixar. Talvez não tenha sido a melhor escolha do velho. Fui escroto e hostil, como a própria verdade se me punha - talvez a verdade fosse mais branda com ele. O passante número dois talvez tivesse medo e curiosidade - um misto que a vida adulta só encontra na prática imoral:
- Mãe, ele tá triste.
A mãe repreendeu a criança. Não se fala com estranhos. Ainda mais estranhos chorando na rua. Eu apenas sorri com a ternura de um narigão vermelho. Ela me sorriu de volta e acenou um tchau dobrando os dedinhos; entraram no prédio onde moravam. O passante número três sentou do meu lado, arfando na noite seca. Ganiu, atestando simples compreensão e, não obstante, compartilhou, contribuindo com seu pesar. O tempo passou aveludado, com o carinho de uma brisa constante.
- Quer o resto?
O quarto passante era moço novo, que se desajuntara da turma pra me oferecer uns quatro dedos de rum que restavam no vidro.
- A gente vai entrar na balada.
À minha inação, deixou a cachaça ao lado do meu pé. Foi-se. Entornei a garrafa com sincero desgosto.
Para assombro da cidade, a lua se permitiu desnudar-se das nuvens e se insinuou como um colo decotado de seios abundantes, servis. Sua brancura soprou as lágrimas do meu rosto, e a saudosa transformação recomeçou. Raramente encontra-se a própria natureza em meio à prisão dos contratos metropolitanos. Meu corpo estalava com ruídos terríveis de músculos em expansão, terno e tecido rasgando e ossos dilatando. A dimensão do meu corpo cresceu vertiginosamente, até atingir a altura de um prédio ou mais. Findou-se a metamorfose que me arrancara do corpo da criatura-homem.
Pratiquei o ato sublime da destruição até me enfadar. Então recomecei a chorar. O maravilhoso espectro colossal apoiado numa torre de rádio, pranteando tacitamente: na essência de minha vontade e natureza - na junção dos desejos com o poder infinito - não sentia nada mais que minha humanidade construída.
- Tá bem aí, jovem?
Um bigode cinza bem intencionado. Que tipo de pergunta é essa, quando se vê um sujeito no meu estado? Insistiu:
- Porquê cê tá chorando?
Repliquei de imediato, rebeldemente sem razão:
- Porquê você não tá chorando?
Julgou mais direito me deixar. Talvez não tenha sido a melhor escolha do velho. Fui escroto e hostil, como a própria verdade se me punha - talvez a verdade fosse mais branda com ele. O passante número dois talvez tivesse medo e curiosidade - um misto que a vida adulta só encontra na prática imoral:
- Mãe, ele tá triste.
A mãe repreendeu a criança. Não se fala com estranhos. Ainda mais estranhos chorando na rua. Eu apenas sorri com a ternura de um narigão vermelho. Ela me sorriu de volta e acenou um tchau dobrando os dedinhos; entraram no prédio onde moravam. O passante número três sentou do meu lado, arfando na noite seca. Ganiu, atestando simples compreensão e, não obstante, compartilhou, contribuindo com seu pesar. O tempo passou aveludado, com o carinho de uma brisa constante.
- Quer o resto?
O quarto passante era moço novo, que se desajuntara da turma pra me oferecer uns quatro dedos de rum que restavam no vidro.
- A gente vai entrar na balada.
À minha inação, deixou a cachaça ao lado do meu pé. Foi-se. Entornei a garrafa com sincero desgosto.
Para assombro da cidade, a lua se permitiu desnudar-se das nuvens e se insinuou como um colo decotado de seios abundantes, servis. Sua brancura soprou as lágrimas do meu rosto, e a saudosa transformação recomeçou. Raramente encontra-se a própria natureza em meio à prisão dos contratos metropolitanos. Meu corpo estalava com ruídos terríveis de músculos em expansão, terno e tecido rasgando e ossos dilatando. A dimensão do meu corpo cresceu vertiginosamente, até atingir a altura de um prédio ou mais. Findou-se a metamorfose que me arrancara do corpo da criatura-homem.
Pratiquei o ato sublime da destruição até me enfadar. Então recomecei a chorar. O maravilhoso espectro colossal apoiado numa torre de rádio, pranteando tacitamente: na essência de minha vontade e natureza - na junção dos desejos com o poder infinito - não sentia nada mais que minha humanidade construída.
8 comentários:
A onipotência infantil tem alto poder de destuição. Enquanto racalcada, vemos a impotência e os destroços do surto... vivemos a angústia das perdas, os danos da destruição... quando o canteúdo racalcado aflora pela força de um afeto, precisa descarregar sua energia libidinal e aí...
Mas a lua decotada foi uma imagem muito inspirada tb!!!!
isto á mais que um conto: é um ensaio psicanalítico! Aliás... a psicanálise não é maior que a poesia!
Gostei muito, Dom Victor. O conto vai ganhando força, corpo, na forma, à medida que a personagem perdeo corpo no tema ou funde seu corpo no natural pelo fiapo da Lua! Imagetíssimo! Ainda mais para quem perambulava nestas ruas...
Grande abraço e boa semana
p.s.: infelizmente fiquei duas horas em Sampa, meu velho, contando ida e volta, viagem corrida é fogo!
Belíssimas imagens. Corpo dle, corpo da cidadesob alua. Paulicéia - diva, deusa imperfeita - levo sepmpre comigo. a cidade, suas ruas, meus choros nela. E os auroes como vc, victor.
Belo e belo.
Isso é lindo! Mais que lindo! De uma humanidade terrível as situações descritas.
Beijo!!
Adiciono teu blog por lá, posso?
abraço
Bonito acompanhar esse momento de belas imagens e sinceridades estampadas.
abraços, victor
cara... gostei disso. a situaÇao foi se desenrolando gradativamente. consegui imaginar um ser humano em construçao (ou seria desconstruçao?). gostei tambem da forma como humanizou a lua e desumanizou o homem! :)
e nesse pra mim ele era um lobisomem.
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